quarta-feira, 30 de outubro de 2019

Seja diferente! (mas não perto da gente)



"Ser diferente é normal" - quando a diferença é legal na camiseta, mas não é tolerável no convívio diário.

"Seja você mesmo" - a autenticidade fica bacana estampada num copo e exibida sobre uma mesa, mas é motivo suficiente para eliminação num processo seletivo.

"Anti-social Social Club" - lema bacana bordado na mochila, mas absurdo quando alguém se sente melhor em seu canto, ou trabalhando sozinho.

"Boring people: don't be another one" - sai por aí exibindo isso no casaco ou tatuado no pulso, como se defendesse de verdade o direito à singularidade, mas surta se aparece em sua frente algo que fuja minimamente de sua visão de mundo pré-estabelecida.

(...)

Tive estas reflexões enquanto fazia um exercício para uma disciplina da faculdade denominada Comunicação e Cultura Contemporânea. Todas as frases acima citadas em aspas apareceram de fato em produtos de três ou quatro lojas fast fashion, sendo que estes se esgotaram rapidamente nas vitrines, bancas e e-commerces das marcas. Sei disso porque meu lado paulista da família me fez uma grande fã de shopping centers - inclusive é um hábito que venho tentando reduzir, por razões diversas que podem virar assunto para outra postagem - e as idas em lojas de departamento são uma constante para alguém com baixo poder aquisitivo como eu.

O que me deixou intrigada foi o fato de eu, num belo dia, estar no ônibus com meu "cosplay de secretária", apelido dado por um professor muito querido para se referir às minhas roupas mais sóbrias, e uma mulher, trajando uma camiseta com a frase número 2 citada no início do post em inglês, me olhou torto por eu usar um pentagrama no meu pescoço. Não se deu nem ao trabalho de disfarçar sua ojeriza (ranço, na linguagem corrente e acessível). Como se eu fosse uma pessoa amaldiçoada, sabe? As mesmas expressões de reprovação surgiram quando entrei no shopping para pagar uma conta - vindas de pessoas usando símbolos da "rebeldia". Curioso, não?

Lembrei-me do dia em que uma determinada "brogueirinha" famosa em Salvador e que se dizia minha amiga falou que o meu visual "chamava a atenção das pessoas, mas nem sempre de forma positiva". Isso, apenas porque eu usava brincos grandes em formato de diamantes e uma camiseta com grafites! Para ela, essa poderia ser a razão pela qual eu não conseguia estágio algum. Nesse dia, eu chorei muito (longe de todo mundo, porque até o direito de sentir angústia nos é negado) e tomei a decisão drástica de mudar todo o meu guarda-roupa. Comprei loucamente roupas de tons sóbrios e cortes clássicos, desapeguei de quase todos os meus itens de moda japonesa, desisti do meu cabelo azul, à época. Na esperança de (tentar) me adequar, e me tornar "socialmente aceitável".

Hoje, quase três anos depois, estou sozinha (a menina formou, nunca mais falou comigo e eu nunca mais a vi), sem estágio (meu contrato acabou), sem dinheiro (mudei o guarda-roupa inteiro) e sem a única coisa que me fazia dar um respiro em meio ao surto que está o nosso cenário sociopolítico. Passo meus dias melancólicos enviando currículos em busca de uma nova oportunidade, lendo livros e assistindo a realities shows, meu terceiro guilty pleasure (depois da Coca-Cola e do Tiago Iorc da Cracolândia  Afonso Padilha, porque somos nós dois fodidos que sabem rir da própria desgraça), vendo gente com vários estilos sendo admirada e exaltada, usando roupas brilhantes made-in-Wish que todo mundo quer comprar. Mas, por que de longe somos cool e de perto somos fool? É algo, que, de verdade, não consigo compreender...

Cheguei à conclusão de que as pessoas não gostam do diferente, não mesmo. Gostam apenas da emulação da originalidade, de se sentirem vistos e superiores ao Outro. É bastante conveniente, para eles, tomar parte e fazer uso das estéticas anti-sistema/anti-padrão e se banquetear com o semblante "exótico", sem precisar pagar a conta por ser fora da curva. E quando eu falo "fora da curva", não é APENAS por usar uma roupa diferente, mas porque moda sobretudo é expressão e muita gente usa uma moda alternativa como modo de mostrar ao mundo que não está em consonância com o que o Outro nos programou para ser e o modo com o qual a sociedade espera que ajamos. 

Resumidamente: nada de errado em quem compra suas "brusinhas" na Liquidação a Preço de Banana com frases de efeito a 70% de desconto. Tudo de errado nessas mesmas pessoas quando querem que o Outro seja igual a elas.

Xoxo,

Anne



segunda-feira, 7 de outubro de 2019

É só uma roupa?


Eu poderia começar esta postagem (a primeira, depois de quase três anos sem ter um blog) dizendo que minha filosofia de vida sempre foi meio Roberto Pêra/Senhor Incrível: eu trabalho sozinha. Passei a ser assim depois de uma adolescência meio esquisita, onde eu era muito mais nova do que meus colegas, e nenhum deles queria fazer os trabalhos da escola comigo, porque eu supostamente seria imatura demais. Foi também nessa época da vida que eu conheci a cultura gótica e os outros estilos que vieram depois: para além do prazer estético, era bom me sentir parte de um grupo pela primeira vez.

Atualmente, eu sou uma mulher que preferiu se exilar de uma comunidade oficial (se isso foi uma volta às raízes, não sei dizer) e decidiu seguir o próprio rumo. A cena lolita mudou muito desde quando comecei, quase dez anos atrás, e a primeira coisa que se avisa para as iniciantes é que não se deve nutrir grandes expectativas de angariar amizades apenas por causa do estilo que se adotou. Aviso que tem lá sua pertinência, porque em tese se trata apenas de uma roupa e ninguém vai se tornar magicamente amigo do Outro só porque tá com uma anágua embaixo das saias. No entanto, hoje essa bolha estourou, com um acontecimento que eu não esperava.

Passei a adotar a estética decora por influência de uma garota que poderia ter sido minha irmã: mesma idade, mesma altura, mesmos trejeitos e quase os mesmos gostos. Por muito, muito tempo, eu fiquei sem saber que ela era quase minha vizinha. Ou seja: passei anos perdendo a oportunidade de conversar mais a fundo, de fazermos mais coisas juntas. Nesta tarde, estava eu, atarefada pela rotina de estudante do terceiro ano de Comunicação Social, quando ela me manda um áudio choroso contando-me que o pai faleceu, meses depois de sofrer um acidente. Chorei junto com ela, segurando o meu celular comprado pouco tempo atrás. 

Mas minhas lágrimas não foram apenas pela perda. Parte delas eram pela minha total e imensurável incapacidade de fazer algo por ela num momento como este. Compartilhamos enfeites, ajudamos uma a outra na "montação", saímos juntas e voltamos juntas dos eventos. Nos consideramos amigas. Todavia, como posso me dizer amiga de uma pessoa cujas dores, inquietações, aspirações para o futuro e todas as perfumarias inerentes ao conceito de amizade desconheço (mas deveria conhecer)? Que raio de ligação é esta, onde eu preciso me justificar por não saber dar uma palavra de consolo diante de uma situação deveras aterradora?

Encerro dizendo que o título deste desabafo (ou crônica, ou conto, ou anedota, como queira) não tem a intenção de levantar qualquer bandeira, nem mesmo as linhas que acabei de escrever carregam o intuito de responder essa pergunta. É tão somente um convite à reflexão, que não deve esperar um instante extremo para acontecer.

Amor,

A.