terça-feira, 31 de março de 2020

Poupée Girl: cinco anos do fim

Em tempos de isolamento social e quarentena, muitos de nós procuramos alternativas para distrair a mente em meio a uma torrente de notícias sobre o novo coronavírus (a maioria más, infelizmente). Como futura jornalista, tem sido um período bastante estressante, então tenho aderido a novos hábitos e até mesmo ressuscitado alguns já esquecidos. 

Falando nisso, alguém lembra do site Poupée Girl?

A comunidade foi lançada em 2007 no bairro de Shibuya (Japão) - notório por abrigar a vida noturna alternativa do país - e inicialmente foi administrada pela CyberAgent. Dois anos depois, o Ameba Blogs passou a gerir as operações do Poupée. A maioria esmagadora de usuários era composta por mulheres (98%) e 35% do público residia fora do Japão. 

Como funcionava?

O grande atrativo do site era o dress-up: você tinha uma boneca, muito similar às pullips (bonecas japonesas com uma cabeça proporcionalmente maior do que o corpo), e podia vesti-la do jeito que quisesse. Também era possível personalizar a aparência, mudando o tom da pele, cabelos, olhos... Ou seja: era possível fazer bonecas negras e usando black! 

No Love Nikki, outro jogo que amo e qualquer dia devo falar a respeito aqui, precisamos encher o saco da Elex (detentora da plataforma) para lançar maquiagens e peles não-brancas com frequência. E isso porque é um jogo mais recente, de 2017...

Minha boneca no jogo, Alice

Mudando a pele pra uma que me representasse melhor


As roupas podiam ser adquiridas por duas formas de "dinheiro": ribbons, que eram conseguidos logando no jogo (havia prêmio especial pra quem entrasse todo dia), vestindo a pullip, comentando nos visuais das amigas; e jewels, que demandavam dinheiro de verdade. Um grande destaque era a variedade de estilos e coleções lançadas por mês. Houve algumas coleções em colaboração com celebridades, como a Chiaki Kuriyama e a Aya Hirayama. Até o filme Encantada ganhou seus próprios itens! Tenho a sombrinha da Giselle até hoje.

Havia também o leilão, onde entravam peças de jewels, frequentemente raras. Era uma corrida danada, especialmente quando tinha parasol lolita na lista.

Por que o jogo era tão atrativo?

Outfit lolita que tentei montar no jogo

No Poupée Girl, além do dress-up, havia uma seção "Closet", onde podíamos colocar nossas roupas do mundo real para compartilhar com os outros participantes do site. Isso fortalecia muito as relações e a busca por referências. Participar da comunidade aguçou muito meu interesse pela moda de rua japonesa, grande influenciadora do jogo. 

Ver as roupas na boneca me ajudava a exercitar meu senso de estética, vendo o que funcionava ou não em mim. Pude conhecer outros estilos, e enquanto eu não podia comprar nada lolita, era uma forma de curtir a moda. Me ajudou muito no começo, porque me fez evitar alguns erros de outfit que eu não saberia se não tivesse como testar.

Brands lolita também lançaram coleções para o jogo. 
Este é o Candy Treat Colorful Ribbon, da Angelic Pretty, lançado em 2011.


O fim

A partir de setembro de 2014, o site passou a não atualizar tanto as coleções de roupas; quem começou a jogar mais cedo notou que o Ameba já estava desinteressado da sorte do Poupée. Então, pegando todo mundo de surpresa, o site anunciou que as atividades seriam encerradas no dia 31 de março de 2015. Na época, eles alegaram que já não tinha tantos usuários na plataforma, inviabilizando a manutenção do site. 

Comprar jewels era difícil para quem residia fora do Japão, por conta das quase inexistentes formas de pagamento. Se o sistema fosse outro, talvez houvesse uma chance de sobrevida para o Poupée. Nisso, o Love Nikki se sobressaiu: a Elex notou o potencial da comunidade brasileira e agora até propaganda da página criada só pra gente fazem. Talvez, se houvesse uma forma diferente de fazer login ou uma integração com a conta do Google, a história teria sido outra.

Um novo fôlego

Meses depois do fim oficial, foi anunciado um fansite para quem ficou "órfão" do Poupée Girl: a plataforma Bentewee, que preservou a função de dress-up do jogo. Os ribbons se tornaram moeda única, de modo que é possível comprar os itens de jewels sem gastar dinheiro de verdade. Há também um fórum para fãs, que fazem concursos de moda entre si e interagem. Eu consegui importar minha boneca original porque recebi um convite do site logo que o fim oficial foi anunciado, mas hoje já não é mais possível. :\ 

Minha pupe atualmente. O nome de guerra dela agora é FancyBarbz.

As coleções licenciadas continuam, com novidades periódicas. Atualmente, temos Hello Kitty e Little Twin Stars, da Sanrio.

Coleção Kiki e Lala

Coleção Hello Kitty


O único senão é que novas contas precisam de um convite de alguém que já jogue. Recomendo fortemente que se procure o fórum de fãs do jogo para ver a disponibilidade.

Até a próxima, crianças!









segunda-feira, 9 de março de 2020

Resenha: Tokyo Girls

Os últimos dias foram de cão pra mim, sobretudo depois do falecimento da minha avó (no dia 01/03). Mas, como já canta o Freddie Mercury, "the show must go on". Voltei às aulas hoje, e decidi que está mais do que na hora de colocar os textos do blog em dia. Como contei na descrição, aqui farei algumas análises de textos que falam sobre moda alternativa japonesa e assuntos relacionados. Para começar bem, trago uma "relíquia" publicada pela editora JBC em 2007: o livro Tokyo Girls, da autoria dos estadunidenses Izumi Evers e Patrick Macias.

Bárbara Padilha e o livro

Quem são eles na fila do pão?

Patrick Macias é conhecido por se envolver bastante com a cultura otaku, e já escreveu outros livros sobre esse assunto, como o Tokyoscópio: Guia de Filmes Cult Japoneses. Izumi Evers também vivencia o universo pop japonês é produtora, escritora, designer e agenciadora de artistas.

Qual é a intenção do livro?

Macias apresenta Tokyo Girls como uma espécie de "best of" dos estilos de rua de Harajuku. Assim sendo, a expectativa é de que o leitor encontre as subculturas mais consagradas do bairro de Tóquio, como o Gyaru, o Decora e o Mamba. Ele e Evers decidiram dividir o livro em três "fases": 

Garotas Más - abrange os estilos Sukeban (garotas que usavam os tradicionais uniformes escolares japoneses mais longos e sempre estavam prontas pra uma treta, portando giletes e espadas de bambu), Takenokozoku (turmas de dançarinos onde a peça principal era o chamado macacão Happi, bem solto no corpo para facilitar os movimentos do ritmo Para Para) e Lady's (motociclistas que tinham uma grande paixão por velocidade e personalizavam suas motos e macacões)

Garotas Sexy - aqui, aparecem as estéticas Kogal (caracterizada pelos novos modelos de uniformes escolares, bronzeado artificial e meias folgadas), o Ganguro (com a pele muito escura contrastando com o cabelo descolorido como marca registrada) e sua derivação Mamba (que traz decalques coláveis para o rosto e roupas com motivos havaianos), finalizando com a moda Gyaru (esta com várias possibilidades, mas notória pelo glamour)

Garotas Alternativas - na última categoria, aparecem as Nagomu Girls (viciadas em bandas alternativas, o estilo delas pode ser comparado com o grunge dos anos 90), as lolitas e as decoras (que, como o nome diz, são viciadas em MILHARES de acessórios, sobretudo na cabeça. Eu tô aqui, haha)

Como é a linguagem?

Muito acessível. Eles tomaram o cuidado de não colocar termos que são compreensíveis apenas para o grupo da subcultura. A narrativa é bem pontual e cadenciada, dá pra terminar de ler o livro em uma hora ou menos. Há uma riqueza de ilustrações e fotos satisfatória em cada tópico.

Mas e a moda lolita, Anne?



Eu comprei Tokyo Girls por duas razões bem específicas: primeiro, por causa das ilustrações da Kazumi Nonaka, que são lindíssimas. E segundo, claro, por causa do TCC. Gostei bastante de como a parte das "Garotas Más" foi narrada, mas como o foco do meu trabalho é o Lolita, vou me ater a falar sobre este capítulo. Infelizmente, fiquei um tanto decepcionada. Tirei uma foto de uma das páginas, para se ter uma noção.

O nome do capítulo já é um erro: "Lolita-gótica". Não foi uma tradução feliz, e mesmo no original não faz muito sentido. O Gothic Lolita nem de longe é o pilar do estilo, ainda que seja muito usado. É mencionada a Baby, the Stars Shine Bright (1988) como uma consolidadora da estética Lolita, mas a Angelic Pretty foi fundada em 1979 e já era relevante. E dizer que a BTSSB fabricava "chapéus de praia e baby dolls antiquados"? 

Estabeleceu-se uma ponte entre a Moda Lolita e o Visual Kei, sobretudo com a banda Malice Mizer. Apesar do inegável feito do Mana ao cunhar o termo Elegant Gothic Lolita (EGL) e fundar a brand Moi-Même-Moitié, a estética aqui citada surgiu primeiro - aliás, a MmM foi criada no comecinho dos anos 2000. No entanto, o mais triste é que de quase dez vertentes principais da Moda Lolita, apenas o Gothic, o Sweet e o Punk foram mencionados. Não senti um esmero em falar do estilo para além do que já se faz: tratar as adeptas como aberrações.

"Atualmente, vestir-se como coadjuvante do filme 'Entrevista com o Vampiro', como Pollyanna* ou uma mistura punk-rock dos dois, é opção viável às adolescentes"  (MACIAS, Patrick).

Bônus dos capítulos

Uma "ficha lolita"


Cada um dos estilos citados em Tokyo Girls vem com uma espécie de "cartilha", mostrando os acessórios predominantes e até mesmo o "namorado ideal" (seria essa uma aspiração para toda mulher? será que toda mulher quer um namoradO? Mas isso é assunto pra outra resenha) para quem usa a estética. Mais uma vez, apenas o Gothic Lolita é lembrado e com um item que muita gente corre como se fosse o Mana correndo de entrevista: maquiagem branca. O objetivo é parecer ter saído de outra época, não a Noiva-Cadáver, caramba!

Quanto ao namorado: nem toda lolita quer alguém que use Visual Kei. Nem toda lolita sequer gosta de Visual Kei. Algumas gostam, a maioria só quer mesmo curtir seu som, seja uma sonata de Mozart, um sertanejo universitário ou um pagodão do La Fúria, e usar suas roupas em paz. Resumindo, há um reforço de estereótipo absurdo, porque ele nem é tão válido assim. A comunidade lolita, seja aqui ou na gringa, tem uma singularidade digna de nota. 

"Um dia de Lolita-Gótica", na visão de Macias e Evers


Considerações finais

Tokyo Girls é uma leitura leve e rápida para quem nunca viu alguma coisa sobre a moda alternativa japonesa e quer uma iniciação a respeito. Para mim, a compra valeu a pena por causa dos estilos que eu não conhecia, como o Ganguro e o Takenokozoku, sobre os quais eu pude aprender um pouco e ir atrás de mais informação. Prima pela abrangência de estéticas, mas peca pelo leve tom de "mundo bizarro" em algumas das descrições. Talvez merecesse uma versão atualizada e ampliada - 13 anos é muito tempo, e já surgiram outros estilos.

Paguei R$ 22 pelo exemplar na loja virtual da Americanas, já incluindo o frete. Em lojas físicas, como a Saraiva, custa entre 30 e 35 reais.

Livro: Tokyo Girls 
Autores: Patrick Macias e Izumi Evers, com ilustrações de Kazumi Nonaka
Ano de publicação: 2007
Editora: JBC
Nota: 3/5

Até a próxima, crianças!